Leitura e escrita são processos interdependentes e fundamentais para a evolução acadêmica, profissional e cultural. Nessa análise, pretende-se delimitar a influência da leitura na qualidade da escrita, evidenciando como o hábito de ler contribui para o desenvolvimento textual e para a criatividade.
De acordo com Magnani (1989, p.35), “para ler e escrever é preciso, antes de mais nada, ser alfabetizado, tarefa que, em nossa sociedade, cabe historicamente à escola”. Ao analisar o contexto histórico da leitura e escrita, observa-se que a importância de ambos vem da antiguidade, com as civilizações românicas e helênicas sendo referências da introdução dessa aprendizagem aos jovens.
Entretanto, observa-se um declínio preocupante nos hábitos de leitura nos últimos anos. A pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil” (2024) revelou que a média anual de livros lidos caiu de 4,95 em 2019 para 3,96 em 2024. Essa queda acentua a problemática do impacto do baixo número de leitores na qualidade textual em diferentes âmbitos, como livros, jornais, blogs e redes sociais. Tal redução afeta tanto o desenvolvimento de escritores competentes, quanto amplia desigualdades sociais, uma vez que o acesso limitado à leitura restringe as oportunidades educacionais e culturais, especialmente em comunidades de baixa renda.
Dessa forma, este estudo objetiva demonstrar a relação intrínseca entre leitura e escrita, evidenciando como o hábito de ler melhora a qualidade textual e estimula o raciocínio crítico, a criatividade e a compreensão sociocultural. Assim, busca-se contribuir para o debate sobre a importância da leitura como um alicerce indispensável para o crescimento pessoal e coletivo.

Segundo Freire (1987) e King (2015) a leitura configura-se como o principal alicerce da escrita. Conforme defende Freire — “a leitura do mundo precede a leitura da palavra” (FREIRE, 1987, p.34) — ressalta-se a dimensão sociocultural inerente ao ato de ler. Complementando essa visão, King argumenta que “bons escritores são leitores ávidos”, posicionando a leitura como ferramenta essencial para a formação de habilidades textuais refinadas.
Para Luiz Costa Pereira Júnior, que escreveu a apresentação da obra de Perissé (2011), “Ler é uma forma de pensar. Escrever é a outra face do ler. E pensar é um jeito próprio de escrever. O mundo e a nós mesmo.”, logo, considera-se que a escrita é um reflexo do que está dentro do escritor, envolvendo mente e coração, a leitura torna-se a base fundamental, seja literária ou não. Essa relação é corroborada por Pinker (2014), ao afirmar que “a boa escrita se compreende com o olho da mente”, destacando, assim, a importância de um olhar analítico sobre o que se lê. Tal abordagem permite ao escritor assimilar estilos, argumentações e estruturas, transformando a leitura em um ato ativo de compreensão crítica que aprimora as habilidades expressivas.
Autores que se dedicam à leitura de clássicos da literatura frequentemente absorvem técnicas narrativas sofisticadas, como a construção de personagens complexos ou o uso eficaz de metáforas, enriquecendo suas próprias produções. Além disso, a leitura amplia o conhecimento sobre contextos históricos, culturais e sociais, enriquecendo narrativas, tornando a escrita mais robusta e dando mais repertório para a comunicação verbal.
A ausência de leitura sistemática, por outro lado, prejudica a ampliação do repertório linguístico e a compreensão de gêneros variados, resultando em textos carentes de coesão, clareza e profundidade. Esse problema se agrava em contextos acadêmicos, onde a escrita exige articulação de ideias complexas e argumentos sólidos. A dificuldade em construir narrativas coesas compromete diretamente o impacto dos textos produzidos.
King (2015) reforça essa conexão ao afirmar que “quando você escreve, está criando seus próprios mundos”, mas destaca que tal criação depende de uma base sólida de leitura. Sem esse suporte, a criatividade se torna limitada e a capacidade de desenvolver narrativas convincentes fica comprometida.
Além disso, a ausência de leitura afeta negativamente a habilidade do escritor de alcançar clareza e simplicidade, elementos fundamentais para o impacto de um texto. Essa simplicidade, longe de ser superficial, é a capacidade de expressar ideias complexas de maneira acessível e cativante. Um exemplo notável de clareza e impacto é o microconto, com autoria atribuída a Ernest Hemingway: “For sale: Baby shoes, never worn” (Vende-se: sapatinhos de bebê nunca usados). No Brasil, autores como Dalton Trevisan e Pedro Bial exemplificam uma escrita forte, clara e direta, que ilustra o poder da concisão.
A carência de leitura sistemática também tem impacto em espaços que deveriam prezar pela excelência textual, como portais de notícias. Títulos ambíguos, textos incoerentes e erros gramaticais são cada vez mais comuns, refletindo tanto a pressa em publicar quanto uma formação insuficiente em habilidades de escrita. Essas falhas reforçam a necessidade de um hábito de leitura consistente como alicerce para uma produção textual precisa e eficiente.
Com base nas pesquisas bibliográficas, observa-se uma concordância quase unânime entre os autores sobre a relação entre escritor e leitor: ela é mediada pela qualidade do texto produzido. Pinker (2014) acrescenta que “o modo clássico de escrever, com o pressuposto de igualdade entre o escritor e o leitor, faz com que o leitor se sinta um gênio”. Esse estilo inclusivo valoriza a inteligência do leitor, enquanto textos confusos ou mal elaborados desmotivam e afastam o público. Um autor que domina a linguagem e compreende as necessidades do leitor consegue criar textos que informam, inspiram reflexão e conexão emocional.
A escrita bem-sucedida, portanto, exige não só o conhecimento aprofundado, mas também empatia e habilidade de comunicação. Quando a leitura é negligenciada, essa dinâmica é comprometida, resultando em textos incapazes de engajar ou inspirar os leitores.
No entanto, iniciativas concretas podem ser transformadoras. Programas que incentivam a leitura em diferentes contextos têm se mostrado eficazes para reverter esse cenário. O programa “Leia com uma criança”, criado em 2010 pelo Itaú Social, distribui livros gratuitos para famílias de baixa renda, incentivando a formação de hábitos de leitura desde cedo. Outro exemplo é o Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), criado em 1997, que fornece acervos literários para escolas públicas, promovendo a acessibilidade à leitura no ambiente escolar. Quando combinadas com políticas públicas, como a criação de bibliotecas comunitárias em regiões de vulnerabilidade social, o impacto dessas iniciativas pode ser ampliado
Conclusão sobre a influência da leitura na escrita
A ausência de um hábito regular de leitura representa um obstáculo significativo para o desenvolvimento de uma escrita de qualidade. Dados da pesquisa ‘Retratos da Leitura no Brasil 2024’ evidenciam que a população enfrenta desafios crescentes, refletindo um impacto direto nas habilidades textuais. Assim, conforme argumentam Freire (1987), King (2015) e Pinker (2014), a leitura é considerada um elemento essencial para a produção de textos claros, criativos e impactantes.
Mas, superar esse desafio requer iniciativas conjuntas de educadores, famílias e gestores públicos. A promoção de hábitos de leitura e a democratização do acesso aos livros são medidas imprescindíveis para fortalecer a relação entre leitura e escrita.
Assim, poderemos construir uma sociedade mais criativa, articulada e preparada para os desafios intelectuais e culturais do futuro. Uma sociedade que valoriza a leitura, o pensamento crítico e a capacidade de transformação por meio das palavras.
Referências Bibliográficas
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Cortez, 2022.
INSTITUTO PRÓ-LIVRO. Retratos da Leitura no Brasil. 6ª Edição, 2024. Disponível em: https://www.prolivro.org.br/pesquisas-retratos-da-leitura/as-pesquisas-2/ Acesso em: 15 fev. 2025
KING, Stephen. Sobre a Escrita: A arte em memórias. São Paulo: Suma, 2015.
MAGNANI, Maria do Rosário Mortatti. Leitura, literatura e escola – sobre a formação do gosto. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
PERISSÉ, Gabriel. Ler, Pensar e Escrever. São Paulo: Saraiva, 2011.
PINKER, Steven. Guia de escrita: Como conceber um texto com clareza, precisão e elegância. São Paulo: Contexto, 2014.