Você já se perdeu nas páginas de um romance para esquecer, mesmo que por um momento, as pressões do dia a dia? Muitas pessoas, quando pensam em literatura, se limitam a vê-la como uma forma de entretenimento ou escapismo. O que não é errado.
No entanto, as grandes obras literárias oferecem muito mais do que histórias; elas nos proporcionam lições valiosas, reflexões profundas e, sobretudo, novas formas de enxergar a vida cotidiana.
E nesse texto eu quero refletir com você sobre como a literatura pode ser um espelho da vida, tomando como base algumas obras de escritores consagrados, como Tolstói, Machado de Assis e Tchêkhov.
Encarando o que realmente importa
Em A Morte de Ivan Ilitch, Tolstói nos apresenta a história de um homem que, em sua luta contra uma doença terminal, percebe que sua vida foi construída em torno de convenções vazias e expectativas alheias.
Ivan, como muitos de nós, buscou segurança e sucesso através da carreira, do status social e das aparências, enquanto negligenciava os relacionamentos mais profundos e, acima de tudo, sua própria felicidade.
Essa jornada nos convida a refletir sobre como muitas vezes também caímos nessa armadilha. No dia a dia, nos vemos preocupados com a aprovação dos outros — queremos o emprego certo, a casa perfeita, a imagem de sucesso nas redes sociais.
Mas será que isso preenche nossa vida de verdade? Quantas vezes priorizamos tarefas rotineiras, metas impostas por pressões sociais, enquanto deixamos de lado conversas sinceras com quem amamos, momentos de introspecção e o cultivo de nossas paixões?
O choque de Ivan ao encarar sua mortalidade revela o que muitos de nós só percebemos quando já é tarde demais: estamos nos esquecendo de viver plenamente. A partir desse ponto de vista, a literatura nos desperta para o fato de que não precisamos esperar um momento de crise para reconsiderar nossas prioridades.
Assim como Ivan Ilitch se questiona sobre o que realmente valeu a pena em sua vida, podemos usar a obra de Tolstói como um espelho para examinar nossas próprias escolhas. A morte, nesse sentido, não é apenas o fim inevitável, mas um lembrete constante de que cada dia importa — e que viver com autenticidade e significado é algo que precisa começar agora.
Ao explorar essa narrativa, Tolstói nos ajuda a perceber que a vida verdadeira não está nas grandes conquistas que buscamos exibir, mas nos momentos de simplicidade, nos vínculos que construímos e na capacidade de estar presente, em vez de apenas sobreviver.
A sabedoria de rir das próprias contradições
Enquanto Tolstói nos faz refletir sobre a profundidade da vida, Machado de Assis, em Memórias Póstumas de Brás Cubas, usa o humor e a ironia para nos apresentar uma perspectiva crítica — e muitas vezes cômica — sobre as futilidades e contradições da existência humana.
Brás Cubas, um homem que só após morrer reflete sobre sua vida, revela como passou anos buscando prestígio, riqueza e reconhecimento, apenas para perceber que nada disso lhe trouxe verdadeira satisfação.
Na vida cotidiana, quantas vezes nos pegamos em situações semelhantes? Pode ser no trabalho, onde nos esforçamos para ganhar uma promoção ou conquistar um título, acreditando que isso vai nos trazer realização. Ou nas redes sociais, onde buscamos curtidas e aprovação externa, esquecendo que o valor de uma vida não pode ser medido por métricas virtuais. Machado nos convida a rir dessas situações — mas também a questioná-las.
Será que estamos vivendo em função de um “troféu” que, no final das contas, tem pouca importância?
Brás Cubas, com seu tom irreverente, nos lembra que o humor é uma poderosa ferramenta para lidar com nossas próprias contradições. Ao narrar suas memórias de forma despreocupada e sarcástica, ele nos mostra que rir de nossas falhas e expectativas frustradas pode ser libertador. Em vez de nos afundarmos em arrependimentos, o defunto nos sugere uma abordagem mais leve da vida, sem nos levar tão a sério.
Esse olhar irônico é um convite para enxergar a realidade por uma nova lente: quantas vezes damos grande valor a coisas que, no final, se mostram irrelevantes?
O riso, ao invés de ser apenas uma resposta a algo engraçado, torna-se uma forma de desarmar o ego, de nos afastar da obsessão por status e de perceber que o verdadeiro valor da vida não está nas conquistas materiais, mas nas experiências autênticas e nas relações genuínas que cultivamos.
Crescendo nas incertezas
Em A Estepe, Anton Tchêkhov narra a jornada de um jovem garoto através da vasta e desolada paisagem russa, em uma viagem que, à primeira vista, parece simples. No entanto, a travessia pela estepe simboliza algo muito maior: o processo de amadurecimento e as mudanças inevitáveis que enfrentamos ao longo da vida.
O protagonista é levado a lidar com o desconhecido, com medos e incertezas — sentimentos que, embora descritos na estepe russa, se refletem no cotidiano de todos nós.
Quantas vezes, na nossa vida, nos sentimos como esse garoto, atravessando “estepes” pessoais? A mudança para um novo emprego, o início de uma nova fase da vida ou até mesmo decisões simples do dia a dia podem nos causar aquela mesma sensação de incerteza e desconforto. O desconhecido nos assusta, mas, assim como o jovem na história de Tchêkhov, é nesses momentos de transição que mais aprendemos sobre nós mesmos.
O crescimento raramente acontece em momentos de conforto, e assim como o garoto da história, que enfrenta a vastidão da natureza e as incertezas do caminho, todos nós passamos por jornadas em que nos sentimos perdidos, mas é justamente nesses momentos que nos desenvolvemos.
Às vezes, a monotonia do cotidiano nos faz sentir que estamos “perdidos na estepe”, mas é importante perceber que essas experiências nos moldam e nos preparam para fases futuras.
Assim como na literatura, a vida real é uma jornada que nem sempre segue um roteiro previsível.
A literatura como ferramenta de transformação pessoal
A literatura nos dá o poder de revisitar nossas escolhas, refletir sobre a brevidade da vida e, ao mesmo tempo, rir das incoerências e absurdos que enfrentamos.
Mais do que nos contar histórias, os livros são espelhos, e cada vez que lemos, enxergamos algo novo sobre nossas próprias vidas. São guias silenciosos que nos ajudam a percorrer os caminhos do cotidiano com mais consciência, empatia e leveza.
A literatura é, afinal, um convite contínuo a ver o que está além do óbvio, a refletir sobre nossas escolhas e a encontrar, nas histórias dos outros, novas visões para transformar o nosso cotidiano.