Nina era uma garotinha de pele negra e cabelos crespos cacheados, que dançavam ao vento como notas musicais. Ela amava enfeitar seus cachos com uma flor e se vestir com roupas cor de rosa que lembravam os jardins de sua casa.
Em seu quintal, repleto de risos e brincadeiras, havia um canto especial onde Nina se sentava, fechava os olhos e se deixava levar pelo som misterioso que vinha do outro lado do muro.
Bastava o som começar a tocar que ela pegava sua cadeirinha cor de rosa e corria para o quintal. Era como se sua mente fosse transportada para um outro lugar. Seus pais, muito observadores, ficavam da janela da cozinha observando o quanto Nina se concentrava no som vindo do outro lado do muro.
Um dia, quando seu pai estava voltando do trabalho, ouviu na rua o mesmo som que Nina ouvia no quintal de casa. Curioso, ele parou na calçada e quando olhou para o lado, percebeu que atrás da sua casa morava um músico, que todos os dias, por várias horas, pegava seu saxofone e começava a tocar.
Ao chegar em casa, ele chamou Nina e sua esposa e contou o que havia descoberto. Sua esposa deu um sorriso e os olhos de Nina brilharam como uma estrela no céu. Nesse momento, o pai pegou Nina no colo e perguntou: “Filha, por que todas as vezes que você senta no quintal para ouvir o vizinho tocar, você fecha os olhos?”
Nina então respondeu: “Pai, fecho os olhos para sentir o som passando pelo meu corpo e me imaginar tocando saxofone tão bonito como o vizinho.”
Nesse momento os pais de Nina não souberam o que dizer, apenas deixaram uma lágrima rolar em seus rostos enquanto olhavam para a felicidade de Nina em compartilhar com eles o que sentia.
Desse dia em diante, enquanto Nina ficava no quintal ouvindo e sentindo a música que saia do saxofone, seus pais ficavam pensando em como ajudar a filha a tornar real o que era apenas imaginário. E, de repente, o pai teve uma ideia, que executaria com a ajuda de sua esposa. Faltavam poucos dias para o aniversário de Nina, e eles fariam uma surpresa para ela.
Alguns dias depois, o pai de Nina saiu mais cedo do trabalho para poder comprar um presente de aniversário para ela, e imagina só o que ele escolheu: um saxofone dourado, cheio de brilho, que pagaria com as economias que estava fazendo para uma ocasião especial.
Na loja, enquanto ele escolhia o saxofone, começou a conversar com um rapaz que havia ido buscar seu saxofone. E de repente o rapaz perguntou ao pai de Nina: “Foi você que parou em frente à minha casa outro dia e ficou ouvindo o som que vinha lá de dentro?”.
O pai de Nina, meio sem graça, disse que sim. E contou para o rapaz como Nina ficava quando ele começava a tocar. E nesse instante o rapaz deu um belo sorriso e perguntou: “E esse saxofone é para sua filha? Ela sabe tocar?”.
O pai de Nina respondeu que sim, que era o presente de aniversário dela e disse que iria encontrar uma forma de colocá-la para aprender, mas que a situação estava complicada.
Então o rapaz, feliz e sorrindo colocou as mãos no bolso e retirou 3 convites. Entregando-os para o pai de Nina, disse: “Aqui estão alguns convites para que sua família possa assistir à minha apresentação no sábado. Esses convites são para a primeira fila e dão direito a conhecer os bastidores da apresentação quando ela terminar e conversar comigo.”
O pai de Nina nem soube como agradecer, apenas disse com os olhos cheios de lágrima: “Obrigado! Esse será um presente de aniversário inesquecível para minha filha. Nós estaremos lá, com certeza.”
Então o pai de Nina pegou o presente e voltou para casa, tomando todo o cuidado para que Nina não desconfiasse de nada. Escondeu o saxofone em seu quarto e guardou os convites em sua pasta de trabalho.
Passaram alguns dias e quando chegou no sábado, Nina acordou e havia uma mesa linda de café da manhã para comemorar seu aniversário. Tudo o que ela gostava de comer, e uma linda decoração com flores coloridas e uma toalha de mesa rosa.
Enquanto comiam e conversavam, Nina perguntou: “O que eu vou ganhar de presente de aniversário hoje?”. Seus pais se olharam, sorriram e então o pai de Nina disse: “Mais tarde nós vamos a um lugar especial e lá você vai ganhar seu presente.” Nina ficou eufórica. Durante o resto do dia seus pais a viam rodopiando pela casa, cheia de alegria.
No fim da tarde, todos se arrumaram, entraram no carro e saíram. Nina, eufórica e curiosa, olhava para todos os lados vendo se conhecia para onde iam, mas era tudo muito diferente do que ela estava acostumada. Quando chegaram, Nina perguntou: “Papai, que lugar é esse?” Ele respondeu: “Filha, esse é um lugar muito especial, onde sonhos se tornam realidade.”
E com essa resposta, eles saíram do carro e foram entrando no teatro, que estava lotado. Sentaram na primeira fila, e Nina, curiosa, perguntou: “Mamãe, o que tem atrás dessa cortina vermelha? Por que no dia do meu aniversário a gente veio em um lugar que não tem criança e não tem lugar para brincar?”.
A mãe, sentindo um pouco de frustração na pergunta da filha, respondeu: “Calma Nina, o que vai acontecer quando essa cortina se abrir será incrível.”
E alguns minutos depois de se sentarem, as luzes diminuíram e um silêncio tomou conta do teatro. Então Nina começou a ouvir o mesmo som que ouvia no quintal de casa, a mesma música, e a cortina se abriu, com um feixe de luz iluminando o centro do palco, e nele um rapaz branco, alto, vestindo um terno preto e tocando um saxofone tão dourado quanto o sol.
Nina ficou impressionada, abriu um sorriso, seus olhos brilharam e, nada mais existia para ela naquele lugar, somente a música que vinha do palco. Por duas horas, Nina não olhou para o lado. Às vezes ela ficava com olhar fixo no palco, em outros momento ela fechava os olhos e balançava o corpo na cadeira, fazendo com as mãos o movimento como se tivesse tocando o saxofone.
No final da apresentação, enquanto as cortinas se fechavam e algumas pessoas iam embora, o pai de Nina foi até o carro buscar o presente da filha enquanto a mãe de Nina ficou com ela, ouvindo a filha dizer o quanto tinha adorado o presente de aniversário. Nisso o pai dela chegou, com as mãos para trás, e ouvindo Nina dizer o quanto tinha adorado o presente, ele disse: “Ainda não acabou.” E entregou para a filha o saxofone. Seu presente de aniversário.
Nina, explodindo de felicidade, abriu o presente e, quando se deparou com um saxofone dourado, começou a chorar, e ganhou um grande abraço de seus pais. E então sua mãe falou ao pé do ouvido: “Filha, ainda não acabou, temos mais um presente pra você.” Nina arregalou os olhos, enquanto seus pais a pegavam pelas mãos e caminhavam para trás do palco.
Ao chegarem atrás do palco, Nina viu o rapaz de terno preto que estava tocando. Quando ele percebeu que era a família de Nina, veio ao encontro deles, se abaixou e, olhando nos olhos de Nina, perguntou: “Você é a Nina? É você quem fica sentada no quintal, de olhos fechados, me ouvindo tocar todos os dias?”
Nina, sem saber o que dizer, apenas balançava para cima e para baixo. E então o rapaz disse a ela: “Quando eu tinha a sua idade, eu era apaixonado por música e fazia a mesma coisa que você. Ficava no quintal ouvindo o vizinho tocar. Estou sabendo que você ganhou um saxofone de presente de aniversário. Gostou?”
Nina começou a se soltar e respondeu: “Eu amei! Mas, é você quem eu escuto tocar do quintal da minha casa? Você mora ali atrás?” E o rapaz respondeu: “Sim Nina, eu moro ali atrás e ensaio todos os dias a tarde. E agora, eu tenho um presente pra você.”
Os pais de Nina ficaram surpresos, afinal, ele já havia dado os convites para a apresentação, e nem se conheciam direito. O rapaz então levantou e, olhando para os três disse: “Eu quero ensinar para você tudo o que sei sobre música e saxofone, e quero que, um dia, você suba no palco para tocarmos juntos. Você aceita Nina?”.
Com as lágrimas correndo pelas bochechas, Nina olhou para os pais como se estivesse pedindo permissão para aceitar o presente. Eles, também com os olhos cheios de lágrimas, olharam para a filha, balançaram a cabeça fazendo sinal de positivo, e a garotinha, com um salto, deu um grande abraço no rapaz, em sinal de agradecimento.
E assim, o que começou como um sonho ao som de um saxofone atrás do muro tornou-se a realidade de Nina. Entre lições com o vizinho e horas de prática no quintal, a música tornou-se sua linguagem, seu sonho, sua realidade.